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A Mulher Esqueleto

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Todas nós temos anseio pelo que é selvagem. Existem poucos antídotos aceitos por nossa cultura para esse desejo ardente. Ensinaram-nos a ter vergonha desse tipo de aspiração. Deixamos crescer o cabelo e o usamos para esconder nossos sentimentos. No entanto, o espectro da Mulher Selvagem ainda nos espreita de dia e de noite. Não importa onde estejamos, a sombra que corre atrás de nós tem decididamente quatro patas. CLARISSA PINKOLA ESTÉS, Ph.D. Cheyenne Wyoming

Este blog foi feito á partir do livro... Estes, Clarissa Pinkola Mulheres que correm com os lobos: mitos e histórias do arquétipo da mulher selvagem/de Clarissa Pinkola Estes;tradução de Waldéa Barcellos; consultoria da coleção, Alzira M. Cohen. – Rio de Janeiro: Rocco, 1994. (Arcos do Tempo)

A história também nos fala de como entrar num relacionamento de enriquecedora cooperação com o que tememos. Ela é exatamente aquilo a que precisamos emprestar nosso coração.

Quando o homem se funde com a Mulher-esqueleto, ele fica o mais íntimo possível dela, e isso faz com que ele conquiste a máxima intimidade com sua parceira. Para descobrir essa eminente conselheira da vida e do amor, basta que paremos de correr, que a desemaranhemos um pouco, que encaremos a ferida e nosso próprio anseio de compaixão, que dediquemos nosso coração inteiro a esse processo. Portanto, no final, ao se prover de carne, a Mulher-esqueleto representa na íntegra o processo de criação. No entanto, em vez de começar a vida como bebê, da maneira que nós, ocidentais, aprendemos a pensar na vida e na morte, ela começa a partir dos ossos e vai se enchendo de carne. Ela ensina o homem a criar uma vida nova. Ela lhe mostra que o caminho do coração é o caminho da criação. Ela lhe demonstra que a criação é uma série de nascimentos e mortes. Ela ensina que o excesso de proteção não cria nada, que o egoísmo não cria nada, que se agarrar às coisas e berrar não resulta em nada. Só a so

Quando a união começa na fase carnal, o processo de enfrentamento da natureza da vida-morte-vida ainda pode ter lugar mais tarde... mas isso exigirá muita determinação. É um trabalho mais difícil porque o ego do prazer precisa ser afastado à força do seu interesse carnal a fim de que se construam os alicerces.

Portanto, fazer amor é fundir a respiração e a carne, o espírito e a matéria. Um se encaixa no outro. Nessa história, ocorre o acasalamento do mortal com o imortal, e isso também vale para um relacionamento amoroso que vá durar. Existe um vínculo imortal de alma para alma que mal conseguimos descrever, ou talvez que mal consigamos decidir, mas que vivenciamos em profundidade. Numa história maravilhosa originada da Índia, um mortal toca um tambor para que as fadas dancem diante da deusa Indra. Em troca desse serviço, o tocador de tambor recebe uma fada em casamento. Há algo de semelhante também no relacionamento amoroso. Algum tipo de premiação é concedida ao homem que quiser entrar num relacionamento de cooperação com o reino da psique feminina, reino que lhe é misterioso.

A Mulher-esqueleto com o canto cria para si mesma um corpo exuberante. Esse corpo criado pelo canto é prático sob todos os aspectos. Não se trata dos pedaços e partes de carne feminina idolatrados por alguns em algumas culturas; mas, sim, um corpo inteiro de mulher, que pode amamentar, fazer amor, dançar e cantar, dar à luz e sangrar sem morrer.

O canto para criar a carne é outro tema comum no folclore. Em histórias africanas, papuas, judaicas, hispânicas e do povo inuit, os ossos transformam-se numa pessoa. O náuatle Coatlique produz seres humanos adultos a partir de ossos do Mundo dos mortos. Um xamã do povo tlingit desnuda, com um canto, a mulher que ama. Nas história de todas as partes do mundo, a mágica resulta do canto. O canto produz o crescimento. Também em todas as partes do mundo, diversas fadas, ninfas e mulheres gigantes possuem seios tão compridos que podem ser jogados sobre os ombros. Na Escandinávia, entre os celtas e na região circumpolar, há histórias que falam de mulheres que criam o corpo segundo sua vontade

Nessa história há duas transformações, a do caçador e a da Mulher-esqueleto.

Em termos modernos, a transformação do caçador seria mais ou menos como o que se segue. A princípio, ele é o caçador inconsciente. "Oi, sou só eu. Estou pescando e cuidando da minha vida." Depois, ele passa a ser o caçador assustado, em fuga. "O quê? Você me quer? Bem, acho que está na hora de eu ir andando." Mais tarde, ele reconsidera, começa a desenredar seus sentimentos e descobre um meio de se relacionar com ela. "Parece que a minha alma é atraída por você. Quem é você, no fundo? Qual é a sua estrutura?" Em seguida, ele adormece. "Vou confiar em você. Vou me permitir expor minha inocência." Com isso, sua lágrima de sentimento profundo é revelada e alimenta a Mulher-esqueleto. "Esperei muito tempo por você." Seu coração é emprestado para criá-la por inteiro. "Pronto, tome meu coração e conquiste a vida na minha vida." E assim o caçador-pescador é recompensado com o amor. Essa é a transformação típica de uma pessoa que a

A energia, o sentimento, a intimidade, a solidão, o desejo, o tédio, todos aumentam e diminuem em ciclos relativamente comprimidos. Nosso desejo de proximidade, e de separação, alterna ciclos de crescimento e de declínio.

A natureza da vida-morte-vida não só nos ensina a acompanhar esses ciclos na dança, mas nos mostra que a solução para o mal-estar está sempre no contrário. Portanto, novas atividades são a cura para o tédio; a intimidade é a cura para a solidão; a solidão é a cura para a sensação de falta de espaço. Sem o conhecimento dessa dança, a pessoa tem a tendência, durante vários períodos de águas paradas, a traduzir a necessidade de atividade nova e pessoal em gastos excessivos, em exposição a riscos, em escolhas irresponsáveis, na procura de um novo parceiro. Esse é o jeito do tolo ou do pateta. É a solução dos que não sabem.

As vezes aquele que está fugindo da natureza da vida-morte-vida insiste em pensar que o amor é apenas uma dádiva. No entanto, o amor em sua plenitude é uma série de mortes e de renascimentos.

Deixamos uma fase, um aspecto do amor, e entramos em outra. A paixão morre e volta. A dor é espantada para longe e vem à tona mais adiante. Amar significa abraçar e ao mesmo tempo suportar inúmeros finais e inúmeros recomeços — todos no mesmo relacionamento. O processo se complica com o fato de que grande parte da nossa cultura excessivamente civilizada tem dificuldade para tolerar o que tiver natureza transformadora. Existem atitudes melhores para nosso envolvimento com a natureza da vida-morte-vida. Em todo o mundo, embora lhe atribuam nomes diferentes, muitos vêem essa natureza como un baile con La Muerte, uma dança com a morte: a Morte como um dos parceiros, a Vida como o outro.

A dança do corpo e da alma

Através dos seus corpos, as mulheres vivem muito perto da natureza da vidamorte-vida. Quando as mulheres estão em pleno uso de sua mente instintiva, suas idéias e impulsos no sentido de amar, de criar, de acreditar, de desejar, nascem, cumprem seu tempo, fenecem e morrem, para renascer mais uma vez. Seria possível dizer que as mulheres põem esse conhecimento em prática no consciente e no inconsciente a cada ciclo lunar nas suas vidas. Para algumas, essa lua que determina os ciclos está lá no céu. Para outras, ela é a Mulher-esqueleto que vive nas suas próprias psiques.A partir da sua própria carne e dos seus próprios ossos, bem como dos ciclos constantes de enchimento e de esvaziamento do vaso vermelho do seu ventre, a mulher compreende em termos físicos, emocionais e espirituais que os apogeus têm seu declínio e sua morte, e que o que sobra renasce de um jeito inesperado e por meios inspirados, só para voltar ao nada e mais uma vez retornar em pleno esplendor. Como podemos ver, os

A música, como o tambor, cria uma consciência diferente, um estado de transe, de oração. Todos os seres humanos e muitos animais são suscetíveis a terem sua consciência alterada pelo som.

A palavra pneuma (respiração) compartilha suas origens com o termo psique. As duas são consideradas palavras para a alma. Portanto, quando há uma canção numa história ou numa lenda, sabemos que os deuses estão sendo conjurados a instilar sua sabedoria e seu poder no caso em questão. Sabemos, então, que as forças estão funcionando no mundo espiritual, que estão ocupadas confeccionando almas. Portanto, a canção entoada e o uso do coração como tambor são atos místicos para despertar camadas da psique não muito usadas ou vistas. A respiração ou pneuma que paira sobre nós abre certas fendas, faz surgir certas faculdades que de outro modo seriam inacessíveis. Não sabemos dizer para cada pessoa o que será invocado pelo canto, despertado pelo tambor, porque eles atuam sobre frestas estranhas e raras no ser humano que participa. No entanto, podemos ter certeza de que seja o que for que acontecer terá uma irresistível força numinosa.

A história também ilustra um duplo poder que vem da psique através dos símbolos do tambor e do canto. Nas mitologias, as canções curam ferimentos e são usadas para atrair a caça. As pessoas são convocadas quando se entoam seus nomes. Alivia-se a dor; alentos mágicos restauram o corpo. Os mortos são invocados ou ressuscitados por meio do canto.

Diz-se que toda criação foi acompanhada de um som ou de uma palavra proferida em voz alta, de som ou palavra sussurrada ou pronunciada sem voz. Quem emite esse tipo de "palavra sonora" pode ter tido conhecimento ou compreensão do seu significado ou não. Considera-se que o canto brota de uma fonte misteriosa, que anima toda a criação, todos os animais, seres humanos, árvores, plantas e tudo o que o ouvir. Na literatura oral, diz-se que tudo que tem "seiva" tem canto. O hino da criação produz a transformação psíquica. A tradição deles é enorme: há canções propiciadoras do amor na Islândia e entre os povos wichita e micmac. Na Irlanda, o poder mágico é invocado pelo canto mágico. Numa história da Islândia, uma pessoa cai em penhascos gelados e tem um membro decepado, mas ele é recuperado por meio de uma canção. Em quase todas as culturas, no momento da criação os deuses dão canções ao seu povo, dizendo-lhes que seu uso irá chamar os deuses de volta a qualquer instant

Quando um homem entrega seu coração por inteiro, ele se torna uma força espantosa — ele se toma uma inspiração, papel que no passado era reservado apenas às mulheres.

Quando a Mulher-esqueleto dorme com ele, ele se torna fértil. Ele é investido com poderes femininos num meio masculino. Ele passa a levar as sementes da nova vida e das mortes necessárias. Ele inspira novos trabalhos a si mesmo, mas também àqueles que estão por perto.Portanto, o vínculo do homem com a natureza da vida-morte-vida acabará lhe dando idéias às dúzias, bem como enredos, situações, partituras musicais e cores e imagens inigualáveis — pois a natureza da vida-morte-vida, o arquétipo da Mulher Selvagem, tem à sua disposição tudo o que um dia existiu e tudo o que um dia existirá. Quando ela cria, quando canta gerando carne para si mesma, a pessoa cujo coração ela está usando sente o que está acontecendo, enche-se com a criação, transborda com ela .

Quando a Mulher-esqueleto se vale do coração do pescador, ela está usando o centro motor da psique inteira, o único órgão de real importância, o único capaz de gerar sentimento puro e inocente

Diz-se que é a mente que pensa e cria. Essa história afirma o contrário, que é o coração que pensa e convoca as moléculas, átomos, sentimentos, anseios e o que mais seja necessário, até um único lugar a fim de gerar a matéria que realize a criação da Mulher esqueleto. A história contém uma promessa: permita que a Mulher-esqueleto se torne mais palpável na sua vida, e ela em troca engrandecerá sua vida. Quando a libertamos do seu estado emaranhado e confuso e a percebemos como mestra e amante, ela passa a ser uma aliada e uma parceira. Dar o coração para uma nova criação, para uma nova vida, para as forças da vida-morte-vida, é uma descida ao reino dos sentimentos. Pode ser difícil para nós, especialmente se tivermos sido feridos por uma decepção ou pela mágoa. No entanto, ele existe para ser tocado, para dar vida plena à Mulher-esqueleto, para nos aproximar daquela que sempre esteve por perto.

O coração como tambor e o canto para criar a vida

Diz-se que o couro ou a estrutura de um tambor determina quem e o que será conjurado a viver. Acredita-se que alguns tambores são do tipo viajante, pois transportam quem toca e quem ouve (também chamados de "passageiros" na tradição da literatura oral) para lugares diversos e variados. Outros tipos de tambores são poderosos sob outros aspectos. Tambores feitos de ossos humanos invocam os mortos. Tambores feitos com o couro de certos animais são bons para conclamar os espíritos de animais. Os tambores que são especialmente belos chamam a Beleza. Os tambores com sininhos presos atraem os espíritos de crianças e afeiam o tempo. Os tambores que têm voz grave convocam os espíritos que conseguem ouvir esse tom. Os que têm voz aguda chamam os espíritos que ouvem aquele tom, e assim por diante. Um tambor feito do coração invocará os espíritos que estão ligados ao coração humano. O coração simboliza a essência. O coração é um dos poucos órgãos essenciais à vida dos seres humanos (e

Na história, o pescador está deixando que seu coração se parta — não que se parta em pedaços, mas para se abrir. O que ele quer não é o amor da teta, da mãe de leite; não é o amor pela fortuna, nem o amor pelo poder, pela fama ou pela sexualidade. É um amor que lhe acontece, um amor que ele sempre trouxe dentro de si, mas que nunca reconheceu antes

A alma do homem se estabelece em maior profundidade e nitidez à medida que ele capta esse relacionamento. A lágrima vem. Ela bebe. Agora uma outra coisa vai se desenvolver e renascer dentro dele, algo que ele pode dar a ela: um coração imenso, vasto, oceânico.

Nos contos de fadas, as lágrimas transformam as pessoas, fazendo com que se lembrem do que é importante e salvando sua própria alma. Somente um coração empedernido refreia o choro e a união. Entre os sufis, existe um ditado, ou melhor, uma oração que pede a Deus que nos magoe: "Dilacere meu coração para que se crie um novo espaço para o Amor Infinito."

O sentimento íntimo de carinho que leva o pescador a desenredar a Mulheresqueleto também lhe permite sentir outros anseios esquecidos, fazer renascer sua compaixão por si mesmo. Como ele está num estado de inocência, ou seja, como imagina tudo ser possível, ele não tem medo de pronunciar os desejos de sua alma. Ele não tem medo de desejar, porque acredita que sua necessidade será satisfeita. É para ele um imenso alívio acreditar que sua alma se realizará. Quando o pescador chora seu sentimento verdadeiro, a reunião com a natureza da vida-morte-vida é propiciada.

Talvez não exista nada que uma mulher deseje mais de um homem do que a atitude de ele desmanchar suas projeções e encarar seu próprio ferimento. Quando o homem enfrenta seu ferimento, a lágrima surge naturalmente, e suas lealdades internas e externas se tornam mais fortes e definidas

Ele se transforma no seu próprio curandeiro. Não se sentirá mais solitário à procura do Self profundo. Ele não mais procura a mulher para ser seu analgésico.A lágrima da compaixão é derramada em reação à percepção do ferimento fétido. Este tem origens e configurações diferentes para cada pessoa. Para alguns, ele representa dedicar toda uma vida a escalar penosamente uma montanha para descobrir, tarde demais, que se estava subindo na montanha errada. Para outros, ele reside em questões não-resolvidas e não-tratadas de abusos sofridos na infância.Quando o homem verte a lágrima, é que ele se deparou com a própria dor; e ele a reconhece ao tocá-la. Ele percebe como sua vida foi vivida de forma protegida em virtude do ferimento. Percebe tudo o que perdeu na vida devido ao ferimento. Vê como cerceou seu amor à vida, a si mesmo e ao outro.

É assim que o homem se cura, e que aumenta sua capacidade de compreensão. Ele assume a função de criar seu próprio remédio; ele assume a tarefa de alimentar o "outro extinto". Com suas lágrimas, ele começa a criar.

Amar o outro não basta. Não basta "não ser um estorvo" na vida do outro. Não basta "dar apoio", "estar disponível quando necessário" e tudo o mais. O objetivo é estar familiarizado com os métodos da vida e da morte, na nossa própria vida e numa visão panorâmica. E o único meio de se chegar a ser um homem familiarizado consiste em aprender a lição nos ossos da Mulher-esqueleto. Ela está esperando pelo sinal de sentimento profundo, por aquela única lágrima que diz: "Admito o ferimento."

Tão certo quanto o fato de a Mulher-esqueleto vir à tona, agora essa lágrima, esse sentimento no homem, também chega à superfície.

Ela é uma aula de amor a si mesmo e ao outro. Despido, agora, de todos os espinhos, anzóis e facas do mundo diurno, o homem atrai a Mulher-esqueleto para se deitar ao seu lado, para beber e se nutrir com seu sentimento mais profundo. Nessa sua nova forma, ele é capaz de saciar a sede do outro. O espírito da Mulher-esqueleto foi invocado pelo seu pranto — idéias e forças de partes remotas do mundo psíquico unem-se no calor da sua lágrima. A história do símbolo da água como criador, como caminho, é antiga e variada. A primavera chega com uma chuva de lágrimas. A entrada para o mundo subterrâneo ocorre com uma cascata de lágrimas. Uma lágrima, percebida por uma pessoa bondosa, é compreendida como um pedido de aproximação. E assim chora o pescador, e a mulher se aproxima um pouco mais. Sem aquela lágrima, ela ela continuaria sendo só ossos. Sem aquela lágrima, ele nunca despertaria para o amor. A lágrima de quem sonha surge quando aquele que virá a ser um amante se permite sentir seus

A doação da lágrima

Enquanto o pescador dorme, uma lágrima se solta do canto do seu olho. A Mulher-esqueleto a percebe, sente uma sede imensa e se arrasta desajeitada até ele para beber do seu olho. Nós nos perguntamos com o que ele estava sonhando que poderia produzir uma lágrima dessas? As lágrimas detêm poder criativo. Nas mitologias, o surgimento de lágrimas provoca uma criação imensa e uma união sincera. No folclore das ervas, as lágrimas são usadas como um aglutinante, para prender elementos, unir idéias, reunir almas. Nos contos de fadas, quando as lágrimas brotam, elas espantam ladrões ou provocam inundações nos rios. Quando são salpicadas, invocam os espíritos. Quando derramadas sobre um corpo, curam lacerações e restauram a visão. Quando tocadas, causam a concepção.

Nesse estágio de inocência, o pescador volta a ser uma alma criança, pois no seu sono ele está ileso e não existe a recordação do que aconteceu ontem ou antes. No seu sono, ele não está lutando para assumir algum lugar ou posição. No sono, ele se renova

Dentro da psique masculina, há uma criatura, um homem incólume, que acredita no bem, que não tem dúvidas acerca da vida, que não só é sábio, mas também não tem medo de morrer. Alguns a identificariam como o self guerreiro, mas não se trata disso. É um self do espírito, e de um espírito jovem ainda por cima, que continua a amar independente de ter sido atormentado, ferido e exilado, porque a seu próprio modo ele cura a si mesmo, recupera a si mesmo. As mulheres podem testemunhar ter visto essa criatura oculta num homem fora dos limites da sua própria percepção. A capacidade desse espírito jovem de fazer com que o poder da cura atue na sua própria psique é tamanha que chega a estarrecer. Sua confiança não depende de que sua parceira não o magoe. Ela é uma confiança na possibilidade da cura de qualquer ferimento que ele sofra, uma confiança na vida nova que se segue à antiga. Uma confiança na existência de um significado mais profundo em todas essas coisas, em que acontecimentos ap

La Inocenta é com freqüência o nome dado a uma curandera, uma benzedeira, a que cura os outros de lesões ou danos.

Ser inocente significa ser capaz de ver com nitidez qual é o problema e corrigi-lo. Essas são as poderosas imagens por trás da inocência. Ela é considerada não só uma atitude de evitar o dano aos outros ou ao próprio self, mas também a capacidade de curar e recuperar a si mesma (e aos outros). Pense nisso. Imagine as vantagens para todos os ciclos do amor. Através da imagem do sono inocente, o pescador confia o suficiente na natureza da vida-morte-vida para repousar e se revitalizar na sua presença. Ele está entrando numa transição que o levará a um conhecimento mais profundo, a um estágio superior de maturidade. Quando os amantes entram nesse estado, eles estão se entregando às forças interiores, àquelas que possuem confiança, fé e o profundo poder da inocência. Nesse sono espiritual, o amante confia que as tarefas da sua alma serão realizadas nele, que tudo será como deve ser. Ele dorme o sono dos sábios, em vez do sono dos prudentes.

Esse estado de sábia inocência é alcançado quando descartamos o cinismo e as atitudes defensivas e voltamos a mergulhar no estado de deslumbramento que vemos na maioria dos seres humanos que são muito jovens e em muitos que são bem velhos.

É a prática de se olhar com os olhos de um espírito sábio e amoroso, em vez de olhar com os do cão açoitado, da criatura acuada, da boca acima do estômago, do ser humano ferido e irritado. A inocência é um estado que se renova quando dormimos. Infelizmente, são muitos os que a deixam de lado junto à colcha ao acordar. Seria melhor se sempre trouxéssemos conosco uma inocência alerta e a apertássemos junto ao corpo para sentir seu calor.

Trata-se de uma canção para propiciar a percepção, para auxiliar na soltura da natureza da Mulher-esqueleto. Não sabemos o que ele está cantando. Só podemos tentar adivinhar. Quando estivermos soltando essa natureza, seria bom que cantássemos algo mais ou menos assim: Ao que eu preciso dar mais morte hoje, para gerar mais vida? O que eu sei que precisa morrer mas hesito em permitir que isso ocorra? O que precisa morrer em mim para que eu possa amar? Qual é a não-beleza que eu temo? Que utilidade pode ter para mim hoje o poder do não-belo? O que deveria morrer hoje? O que deveria viver? Qual vida tenho medo de dar à luz? Se não for agora, quando?

A inocência é diferente da ingenuidade. No interior existe um antigo ditado: "A ignorância é não saber nada e ser atraído pelo bem. A inocência é saber tudo e ainda assim ser atraído pelo bem." Vejamos até onde chegamos. O pescador-caçador trouxe a natureza da vidamorte-vida para a superfície. Contra sua própria vontade, ele foi "perseguido" por ela; mas ele também conseguiu encará-la. Sentiu pena do seu estado emaranhado e a tocou. Tudo isso o leva a uma participação plena. Tudo isso o leva a uma transformação, ao amor. Embora a imagem do sono possa indicar o inconsciente, nesse caso ele simboliza a criação e a renovação. O sono é o símbolo do renascimento. Nos mitos da criação, as almas adormecem enquanto se realiza uma transformação de uma duração determinada, pois no sono nós nos recriamos, nos renovamos. ...sono que deslinda a meada enredada das preocupações, [o sono é] o banho reparador do trabalho doloroso, [o] bálsamo das almas feridas, o segund

É bom adotar a prática diária de meditar sobre a repetição do ato de desenredar a natureza da vida-morte-vida. O pescador entoa uma pequena canção de um único verso, que repete para ajudar na tarefa de desembaraçar a linha.

Trata-se de uma canção para propiciar a percepção, para auxiliar na soltura da natureza da Mulher-esqueleto. Não sabemos o que ele está cantando. Só podemos tentar adivinhar. Quando estivermos soltando essa natureza, seria bom que cantássemos algo mais ou menos assim: Ao que eu preciso dar mais morte hoje, para gerar mais vida? O que eu sei que precisa morrer mas hesito em permitir que isso ocorra? O que precisa morrer em mim para que eu possa amar? Qual é a não-beleza que eu temo? Que utilidade pode ter para mim hoje o poder do não-belo? O que deveria morrer hoje? O que deveria viver? Qual vida tenho medo de dar à luz? Se não for agora, quando?

Uma pessoa que tenha desembaraçado a Mulher-esqueleto conhece a paciência, sabe esperar melhor.

Ela não se choca com a escassez, nem tem medo dela. Não é dominada pela fruição. Suas necessidades de obter, de "conseguir agora mesmo", são transformadas num talento mais refinado que procura todas as facetas do relacionamento, que observa como funcionam em conjunto os ciclos do relacionamento. Ela não tem medo de se relacionar com a beleza da ferocidade, com a beleza do desconhecido, com a beleza do não-belo. E ao aprender e praticar tudo isso, essa pessoa se torna o perfeito parceiro selvagem. Como um homem aprende essas coisas? Como qualquer um consegue aprendê-las? Basta entrar em diálogo direto com a natureza da vida-morte-vida,prestando atenção à voz interna que não é a do ego. Aprenda perguntando à natureza da vida-morte-vida perguntas incisivas sobre o amor e sobre amar; e depois ouça as respostas com atenção. Com isso tudo, aprendemos a não nos deixar levar pela voz irritante que nos diz do fundo da mente: "Isso é uma tolice... Eu é que estou inventando

O ato de desenredar a Mulher-esqueleto revela que ela é antiqüíssima, anterior à história.

É ela quem compara o peso da energia com o da distância, o do tempo com o da libido, o do ânimo com o da sobrevivência. Ela medita, ela examina, ela considera e depois age a fim de investi-lo com uma centelha ou duas, ou com uma chama repentina de fogo grego. Ou ainda ela o abafa, soca ou o extingue totalmente.Ela sabe o que é preciso. Ela sabe quando chegou a hora. Na tarefa de desembaraçá-la, adquirimos a capacidade de pressentir o que virá depois, de compreender melhor como se relacionam todos os aspectos da psique da natureza, como podemos participar. Desembaraçá-la é conquistar um conhecimento articulado do próprio self e do outro. Significa reforçar nossa capacidade para acompanhar as fases, os projetos, as eras de incubação, nascimento e transformação em paz e com a maior graça possível.

Três aspectos diferenciam a vida a partir da alma, da vida a partir do ego apenas. Eles são a capacidade de pressentir novos caminhos e de aprendê-los, a tenacidade necessária para atravessar uma fase difícil e a paciência para aprender o amor profundo com o tempo.

O ego-corvo, no entanto, tem uma queda e uma predisposição para evitar o aprendizado. A paciência não é o forte do ego. Nem o relacionamento duradouro. Portanto, não é a partir do ego inconstante que amamos o outro, mas, sim, do fundo da alma selvagem. "Uma paciência desenfreada", como coloca a poeta Adrienne Rich,éimprescindível para desemaranhar ossos, para aprender o significado da Morte, para ter a tenacidade de ficar com ela. Seria um erro pensar que é necessário um herói musculoso para conseguir isso. Não é, não. É preciso um coração disposto a morrer,renascer, morrer e renascer repetidamente.

Entre o povo inuit, o corvo é o trickster. Em seu lado não desenvolvido, ele é uma criatura voltada para o apetite. Ele aprecia apenas o prazer e tenta evitar toda e qualquer incerteza assim como os temores gerados por ela. Ele é muito cauteloso e extremamente voraz, ao mesmo tempo. Se algo não lhe parecer satisfatório de imediato, ele sente medo. Se lhe parecer satisfatório, ele ataca.

O corvo gosta das belas conchas nacaradas, de contas de prata, de banquetes intermináveis, de mexericos e do sono aquecido sobre o buraco da chaminé. O egocorvo é o pretendente que quer " uma coisa certa". O ego-corvo teme que a paixão termine. Ele tem medo e tenta evitar o fim da refeição, o fim do fogo, o fim do dia e o fim do prazer. Ele passa a agir com astúcia sempre prejudicando a si mesmo pois,quando se esquece da própria alma, ele perde seu poder. O ego-corvo receia que, se admitirmos a natureza da vida-morte-vida nas nossas vidas, nunca mais seremos felizes. Afinal, será que esse tempo todo fomos assim tão perfeitamente felizes, hein? Não. Só que o ego-corvo é muito simplório,como uma criança antes de ser socializada, e também uma criança não muito otimista. Ele é mais como uma criança que passa o tempo todo observando para ver qual é a fatia maior, qual cama é a mais macia, qual namorado é o mais bonito.

Desemaranhar a Mulher-esqueleto é começar a quebrar o encanto — ou seja, o medo de sermos consumidos, de morrermos para sempre. Em termos arquetípicos, desemaranhar algo é empreender uma descida, seguir por um labirinto, penetrar no mundo subterrâneo ou no lugar em que as coisas são reveladas de uma forma inteiramente nova, ser capaz de acompanhar um processo complexo.

Nos contos de fadas, soltar a faixa, desfazer o nó, desamarrar e desenredar representam começar a entender algo, a entender suas aplicações e usos, a se tornar um mago, uma alma sábia. Quando o pescador solta a Mulher-esqueleto, ele começa a ter conhecimento "prático" das articulações da vida e da morte. O esqueleto é uma excelente imagem para a natureza da vida-morte-vida. Como imagem psíquica, o esqueleto é composto de centenas de peças compridas e redondas, grandes e pequenas, de formato estranho, em permanente relação harmoniosa umas com as outras. Quando um osso gira, os restantes giram, mesmo que de modo imperceptível. Os ciclos da vida-mortevida são exatamente assim. Quando a vida se movimenta, os ossos da morte também se movimentam em solidariedade. Quando a morte se movimenta, os ossos da vida também a seguem.De modo semelhante, quando um ossinho minúsculo está deslocado, lascado, deformado, com luxação, ele afeia a integridade do todo. Quando a natureza da vid

Na justiça dos contos de fadas, assim como na psique profunda, a gentileza no trato com aquilo que pareça inferior é recompensada pelo bem, e a recusa a fazer o bem a quem não é belo é censurada e castigada. O mesmo ocorre nos importantes estados emocionais, como no amor.

Quando nos superamos para tocar o não-belo, somos recompensados. Quando desfazemos do não-belo, somos isolados da vida e deixados desamparados. Para alguns, é mais fácil ter pensamentos mais elevados, mais belos e tocar aquilo que decididamente nos transcende do que tocar, ajudar e apoiar o que não é tão positivo. Ainda mais, como a história ilustra, é fácil rejeitar o não-belo e ainda ter uma sensação enganosa de correção. É esse o problema de amor no trato com a Mulher-esqueleto. O que é o não-belo? Nosso próprio anseio secreto de sermos amados é o nãobelo. Desamar e mal-amar são o não-belo. Nossa negligência na lealdade e na devoção não é bela. Nossa sensação de isolamento da alma é sem graça. Nossas incompreensões, falhas e imperfeições psicológicas bem como nossas fantasias infantis são o não-belo. Além disso, a natureza da vida-morte-vida, que dá à luz, destrói, incuba e dá à luz novamente, é considerada nas nossas culturas o não-belo. Desemaranhar a Mulher-esqueleto é

Desembaraçando o esqueleto

A história da Mulher-esqueleto é uma dentre muitas histórias universais de"teste do pretendente". Numa história desse tipo, os amantes precisam provar sua boa intenção e seu poder, demonstrando geralmente que têm os cojones ou ovarios para encarar alguma força numinosa mais poderosa e assustadora... Embora aqui a estejamos chamando de natureza da vida-morte-vida, outros poderiam chamá-la de um aspecto do Self ou de espírito do amor, e ainda outros, de Deus, de Grada, um espírito de energia, ou de uma infinidade de nomes. O pescador demonstra sua boa intenção, sua força e seu envolvimento crescente com a Mulher-esqueleto ao desemaranhá-la. Ele olha para ela toda dobrada para um lado e para o outro e vê nela um vislumbre de algo, ele nem sabe de quê. Ele havia fugido dela, ofegante e soluçante. Agora ele cogita tocar nela.

Há uma enorme diferença entre a necessidade de solidão e renovação e o desejo de "dar um tempo" para evitar a inevitável ligação com a Mulher-esqueleto. No entanto, a ligação, no seu sentido de aceitação da natureza da vida-morte-vida e de permuta com ela, é o passo seguinte na direção de um fortalecimento da nossa capacidade para amar.

Aqueles que entrem num relacionamento com ela conquistarão um duradouro talento para o amor. Aqueles que se recusarem não conquistarão nada. Não há como evitar isso. A verdade é que não existe a sensação de se estar "completamente pronto" ou de ser aquela a "hora certa". Como acontece em qualquer mergulho no inconsciente, chega uma hora em que simplesmente torcemos que dê certo, apertamos o nariz e saltamos no abismo. Se não fosse assim, não teríamos precisado criar as palavras herói, heroína ou coragem. É preciso realizar o trabalho do aprendizado da natureza da vida-morte-vida. Rejeitada, a Mulher-esqueleto afunda para debaixo d'água, mas ela surgirá novamente e sairá no nosso encalço insistente. É essa a sua função. A nossa função é a de aprender. Se quisermos amar, não há como evitar esse aprendizado. O trabalho de abraçá-la é uma tarefa. Sem uma tarefa desafiadora, não pode haver transformação. Sem uma tarefa, não há uma satisfação verdadeira. Amar os

Há um ditado que diz que, quando o aluno está pronto, o professor aparece. Isso quer dizer que o professor chega quando a alma, não o ego, está pronta. O mestre vem quando a alma chama — e graças a Deus que isso aconteça pois o ego nunca está perfeitamente pronto.

Se dependesse apenas do preparo do ego o fato de o mestre ser atraído até nós, permaneceríamos essencialmente sem mestres pela vida afora.Somos abençoados, já que a alma continua transmitindo seu desejo ignorando as opiniões inconstantes do ego. Quando as coisas ficam enredadas e assustadoras nos relacionamentos amorosos, as pessoas receiam que o fim esteja próximo, mas isso não é verdade.Como se trata de uma questão arquetípica e como a Mulher-esqueleto realiza o trabalho do Destino, espera-se que o herói saia correndo pelo horizonte afora, espera-se que A Morte o acompanhe de perto, espera-se que o aprendiz de amante se enfie na sua choupana, ofegante e arquejante, com a esperança de estar são e salvo. E espera-se que a Mulher-esqueleto consiga também entrar nesse abrigo seguro. Espera-se que ele a desemaranhe e assim por diante.